O papa Francisco, líder da Igreja Católica e uma voz incansável em defesa dos pobres, morreu na manhã desta segunda-feira (21), aos 88 anos, no Vaticano. O falecimento foi anunciado oficialmente pelo cardeal Kevin Farrell, camerlengo da Santa Sé, às 7h35 no horário de Roma (2h35 no horário de Brasília).
“Queridos irmãos e irmãs, é com profunda tristeza que comunico a morte do nosso Santo Padre Francisco”, disse o comunicado oficial emitido pelo camerlengo. “Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados”, acrescentou Farrell na declaração que confirmou o falecimento do pontífice.
O Papa Francisco vinha enfrentando sérios problemas de saúde nos últimos meses. Ele esteve internado por quase 40 dias no Hospital Gemelli, em Roma, recebendo alta apenas em 23 de março. Durante esse período, o pontífice foi diagnosticado com pneumonia nos dois pulmões, uma condição que pode inflamar os órgãos, dificultando a respiração.
Sua última aparição pública ocorreu no domingo de Páscoa (20), quando apareceu na sacada da Basílica de São Pedro para a tradicional mensagem Urbi et Orbi. Na ocasião, o Papa Francisco acenou ao público e desejou “feliz Páscoa” aos fiéis, mas devido às suas condições de saúde, passou a palavra para Monsenhor Diego Ravelli, que leu seu discurso. Em sua mensagem final, Francisco deixou um apelo pela paz, especialmente em Gaza, denunciando “uma situação humanitária dramática e ignóbil” e pedindo um cessar-fogo imediato.
Histórico de saúde e últimos momentos
Durante sua internação no Hospital Gemelli, o Papa Francisco enfrentou diversos episódios críticos de saúde. O Vaticano descreveu a infecção do pontífice como “complexa” e explicou que foi causada por dois ou mais microrganismos. Enquanto esteve hospitalizado, o papa apresentou diferentes quadros, com pioras seguidas de melhoras.
Francisco sofreu uma “crise respiratória prolongada semelhante à asma” e precisou de transfusões de sangue em decorrência de uma baixa contagem de plaquetas, associada à anemia. O pontífice também esteve em “estado crítico” durante a internação e apresentou insuficiência renal inicial leve.
Os episódios respiratórios exigiram que o Papa Francisco utilizasse ventilação mecânica não invasiva, que envolve colocar uma máscara sobre o rosto para auxiliar na passagem do ar pelos pulmões. Apesar das dificuldades, Francisco chegou a gravar um áudio para os fiéis agradecendo orações pela melhora da sua saúde.
O histórico médico do Papa Francisco já apresentava complicações anteriores. Ele era particularmente propenso a infecções pulmonares após ter desenvolvido pleurisia quando jovem adulto, uma inflamação da membrana que reveste os pulmões. Devido a essa condição, teve parte de um dos órgãos removida.
Em julho de 2021, o pontífice teve 33 centímetros do seu cólon removidos em uma operação de seis horas que visava tratar uma condição intestinal chamada diverticulite. Em 2023, Francisco foi internado em duas ocasiões diferentes: em março, para tratar uma bronquite, e em junho, quando passou nove dias hospitalizado para realizar uma cirurgia abdominal, a segunda na região em um período de dois anos.
Nos últimos anos, o Papa Francisco também usou cadeira de rodas devido a dores no joelho e nas costas, realizando fisioterapia para ajudar na mobilidade.
Procedimentos após a morte do Papa
Com a morte do Papa Francisco, uma série de ritos e procedimentos cuidadosamente regulamentados pela Igreja Católica entram em vigor no Vaticano. Esses protocolos, estabelecidos na Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis”, estipulada pelo papa João Paulo 2º em 1996, determinam todas as etapas desde a constatação oficial da morte até a preparação para a eleição do novo pontífice.
O cardeal camerlengo Kevin Farrell, que já anunciou oficialmente o falecimento, tem a responsabilidade de atestar a morte na presença do mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, dos prelados clérigos da Câmara Apostólica, e do secretário e chanceler da mesma instituição. O chanceler emitiu o documento autêntico de óbito, formalizando o registro da morte do Papa Francisco.
Entre os próximos passos está a lacração dos aposentos papais. O camerlengo deve selar tanto o escritório quanto o quarto do papa, garantindo que nenhum documento ou objeto pessoal seja retirado antes da devida revisão e catalogação. Além disso, o camerlengo assume a custódia e o governo do Palácio Apostólico do Vaticano, bem como dos Palácios de Latrão e de Castel Gandolfo, garantindo sua segurança e administração provisória.
A notificação oficial do falecimento já foi comunicada ao Cardeal Vigário para a Diocese de Roma, que transmitiu a notícia ao povo romano. O decano do Colégio dos Cardeais tem a incumbência de comunicar a morte do Papa Francisco a todos os cardeais, convocando-os para as Congregações Gerais do Colégio. A notícia também é enviada ao Corpo Diplomático credenciado junto à Santa Sé e aos líderes das nações.
Durante nove dias consecutivos, os cardeais celebrarão missas em sufrágio da alma do pontífice, seguindo o “Ordo Exsequiarum Romani Pontificis”, rito litúrgico específico para as cerimônias fúnebres do papa. O anel do pescador, usado pelo Papa Francisco, e o selo de chumbo, utilizado na expedição das cartas apostólicas, serão destruídos, simbolizando o encerramento do pontificado.
É estritamente proibido fotografar ou captar imagens do papa falecido, salvo autorização expressa do cardeal camerlengo. Paralelamente, os cardeais devem garantir que a Domus Sanctae Marthae (Casa de Santa Marta) esteja devidamente preparada para hospedar os cardeais eleitores, e a Capela Sistina deve ser organizada para a realização da eleição do novo papa.
Biografia e legado do Papa Francisco
Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 17 de dezembro de 1936. Filho de imigrantes italianos e apaixonado por futebol, sendo torcedor do San Lorenzo, tornou-se arcebispo de Buenos Aires em 28 de fevereiro de 1998 e foi elevado ao cardinalato em 21 de fevereiro de 2001, com o título de Cardeal-presbítero de São Roberto Belarmino, por São João Paulo II.
Em 13 de março de 2013, após a renúncia histórica do Papa Bento XVI, Bergoglio foi eleito o 266º papa da Igreja Católica, escolhendo o nome de Francisco em homenagem a São Francisco de Assis. Sua eleição marcou a história da Igreja como o primeiro pontífice latino-americano, o primeiro jesuíta a ocupar o cargo e o primeiro papa não europeu desde o sírio Gregório III, no século VIII.
Durante seus 12 anos de pontificado, o Papa Francisco promoveu profundas reformas na Igreja Católica, buscando torná-la mais próxima dos fiéis e mais atenta às necessidades dos marginalizados. Seu estilo simples e direto, rejeitando luxos e formalidades excessivas, conquistou admiradores em todo o mundo, mesmo entre não católicos.
O Papa Francisco foi o pontífice que esteve mais próximo das lutas do povo simples, lembrando constantemente que o cristianismo não iniciou nas suntuosas catedrais, mas na simplicidade dos espaços periféricos. Seu lema “Terra, teto e trabalho” resumia sua visão de que esses são direitos sagrados. “Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da igreja”, afirmava nos encontros com movimentos populares, realizados em Roma e na Bolívia.
“A globalização da esperança que nasce do povo e cresce entre os pobres deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença!”, declarou o Papa Francisco em uma de suas mensagens mais emblemáticas. O pontífice propôs à sociedade “três grandes tarefas que requerem o apoio decisivo de todos os movimentos populares: colocar a economia a serviço do povo, uni-los no caminho da paz e da justiça e defender a Mãe Terra”.
Entre suas contribuições mais significativas estão as encíclicas “Laudato Si’” (2015), sobre o cuidado com o meio ambiente, e “Fratelli Tutti” (2020), sobre a fraternidade e a amizade social. O Papa Francisco também promoveu diálogos inter-religiosos importantes, aproximando a Igreja Católica de outras denominações cristãs, do judaísmo e do islamismo.
Como descreve Frei Sérgio Görgen, dirigente do Instituto Cultural Padre Josimo, “Francisco foi um Papa que marcou pela simplicidade, pela autenticidade na vivência do Evangelho e pela visão de futuro nos temas ambientais e no modo de ser da Igreja”. Segundo ele, “os impactos de sua passagem se prolongarão pelos próximos anos”.

Reações mundiais à morte do Papa Francisco
A notícia da morte do Papa Francisco repercutiu em todo o mundo, com líderes políticos, religiosos e personalidades expressando suas condolências e destacando o legado do pontífice argentino.
O vice-Presidente dos Estados Unidos, JD Vance, que foi o último chefe de Estado recebido por Francisco no domingo, enviou condolências “aos milhões de cristãos de todo o mundo que o amavam”. “Fiquei feliz por o ver ontem, apesar de estar obviamente muito doente”, escreveu Vance, que está atualmente de visita à Índia.
Na Alemanha, o futuro chanceler Friedrich Merz disse que a morte do Papa Francisco o encheu de “grande tristeza”. Merz afirmou que Francisco seria lembrado pelo seu “incansável compromisso com os mais fracos da sociedade, com a justiça e a reconciliação, que foi guiado pela humildade e fé na misericórdia de Deus”.
O Presidente alemão Frank-Walter Steinmeier declarou que o mundo perdeu um “farol brilhante de esperança, um defensor credível da humanidade e um cristão convincente”. “A sua modéstia, a sua espontaneidade e o seu humor, mas sobretudo a sua fé palpavelmente profunda, tocaram as pessoas em todo o mundo e deram-lhes apoio, força e orientação”, afirmou Steinmeier.
O Presidente francês Emmanuel Macron prestou homenagem ao Papa Francisco, destacando que “de Buenos Aires a Roma, o Papa Francisco quis que a Igreja levasse alegria e esperança aos mais pobres, que pudesse unir as pessoas entre si e com a natureza”.
Em Israel, o Presidente Isaac Herzog descreveu o Papa Francisco como “um homem de profunda fé e compaixão sem limites”. Herzog ressaltou a importância que o papa dava à “promoção de fortes laços com o mundo judaico e no avanço do diálogo inter-religioso como um caminho para uma maior compreensão e respeito mútuo”.
Por sua vez, o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, saudou o Papa Francisco como “um amigo fiel do povo palestiniano”. “Perdemos um amigo leal do povo palestiniano e dos seus legítimos direitos, um forte defensor dos valores da paz, do amor e da fé em todo o mundo, e um verdadeiro amigo da paz e da justiça”, disse Abbas.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, afirmou que o mundo perdeu um grande líder com a morte do Papa Francisco. “O Papa Francisco regressou à casa do Pai. Esta notícia entristece-nos profundamente, porque estamos a perder um grande homem e um grande pastor”, escreveu Meloni. Ela acrescentou que o mundo deveria seguir o “caminho da paz” de Francisco e buscar “uma sociedade mais justa e equitativa”.
Na Rússia, o Presidente Vladimir Putin saudou o Papa Francisco como um defensor do “humanismo e da justiça”, elogiando os seus esforços para promover o diálogo entre as Igrejas Ortodoxa e Católica. Na Ucrânia, o Presidente Volodymyr Zelensky afirmou que Francisco dedicou a sua vida à Igreja Católica e que rezou pela paz na Ucrânia e pelos ucranianos.
No Brasil, o cardeal Dom Jaime Spengler, bispo de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmou que a notícia do falecimento do Papa Francisco surpreendeu a igreja. Questionado quanto ao legado que o Papa Francisco deixa, Spengler relembrou que nas palavras de Francisco sempre estava presente a alegria: “A alegria do evangelho, da verdade e do amor”.
O que vem a seguir: conclave e sucessão
Com a morte do Papa Francisco, a Igreja Católica entra em um período conhecido como “Sede Vacante” (Sé Vacante), durante o qual o trono de São Pedro permanece vazio até a eleição de um novo pontífice. Este processo segue regras rigorosas estabelecidas há séculos e adaptadas pelos papas ao longo do tempo.
Nos próximos dias, cardeais de todo o mundo começarão a chegar a Roma para participar das cerimônias fúnebres e, posteriormente, do conclave que elegerá o sucessor do Papa Francisco. De acordo com as normas atuais, apenas cardeais com menos de 80 anos podem participar da votação, o que significa que aproximadamente 120 cardeais serão eleitores.
O conclave deverá começar entre 15 e 20 dias após a morte do Papa Francisco. Durante esse período, os cardeais se reunirão em congregações gerais para discutir os desafios da Igreja e refletir sobre o perfil necessário para o próximo pontífice. Antes do início do conclave, dois eclesiásticos serão designados para apresentar meditações sobre os desafios enfrentados pela Igreja e sobre os critérios para a escolha do novo papa, auxiliando na reflexão espiritual dos cardeais eleitores.
Uma vez iniciado o conclave, os cardeais ficam isolados na Capela Sistina, sem contato com o mundo exterior. Eles realizam votações até que um candidato receba dois terços dos votos. Após cada sessão de votação sem resultado definitivo, as cédulas são queimadas com palha úmida, produzindo uma fumaça preta. Quando um papa é eleito, as cédulas são queimadas com palha seca, produzindo a tradicional fumaça branca que anuncia ao mundo a escolha do novo pontífice.
Entre os possíveis sucessores do Papa Francisco, analistas apontam para uma diversidade de candidatos que reflete a própria universalidade da Igreja. Cardeais da África, Ásia e América Latina são mencionados como potenciais papáveis, seguindo a tendência de descentralização europeia iniciada com a eleição do próprio Papa Francisco.
O cardeal Dom Jaime Spengler, presidente da CNBB, expressou seu desejo de que o próximo papa continue o legado do Papa Francisco: “Desejaria, sim, e faço votos que quem vier a ser escolhido seja capaz de levar adiante esse processo que o papa Francisco conduziu até aqui, especialmente por meio da celebração do último sínodo, que envolveu a Igreja em todos os continentes.”
O próximo pontífice enfrentará desafios significativos, incluindo a continuidade das reformas iniciadas pelo Papa Francisco, a gestão dos escândalos de abuso sexual, o diálogo com outras religiões, a posição da Igreja em questões sociais contemporâneas e a diminuição do número de fiéis em regiões tradicionalmente católicas.
Conclusão: o legado de um papa que transformou a Igreja
A morte do Papa Francisco encerra um capítulo significativo na história da Igreja Católica. Durante seus 12 anos de pontificado, o papa argentino deixou uma marca indelével não apenas na instituição que liderou, mas também no mundo contemporâneo, através de seu estilo direto, sua simplicidade e sua defesa incansável dos mais vulneráveis.
O Papa Francisco será lembrado como o pontífice que buscou aproximar a Igreja das periferias existenciais e geográficas, que enfrentou questões controversas com coragem e que promoveu o diálogo em um mundo cada vez mais polarizado. Sua preocupação com o meio ambiente, expressa na encíclica “Laudato Si’”, seu chamado à fraternidade universal em “Fratelli Tutti” e sua defesa constante dos migrantes, refugiados e excluídos definiram um papado voltado para os desafios do século XXI.
O legado do Papa Francisco permanecerá vivo nas reformas que implementou na Cúria Romana, na ênfase que deu à sinodalidade como método de governo eclesial, na transparência que buscou para as finanças do Vaticano e na misericórdia que colocou no centro da mensagem evangélica. Sua visão de uma “Igreja em saída”, que não se fecha em si mesma, mas vai ao encontro de todos, especialmente dos que sofrem, continuará a inspirar católicos e não católicos ao redor do mundo.
Enquanto a Igreja Católica se prepara para eleger um novo líder, o desafio será dar continuidade ao caminho aberto pelo Papa Francisco, mantendo o equilíbrio entre a fidelidade à tradição e a necessária adaptação aos tempos atuais. O próximo papa herdará uma Igreja que, sob a liderança de Francisco, aprendeu a olhar mais para fora do que para dentro, a valorizar mais a misericórdia do que o julgamento e a colocar as pessoas acima das estruturas.
Como disse o cardeal Dom Jaime Spengler, presidente da CNBB, o legado do Papa Francisco pode ser resumido na “alegria do evangelho, da verdade e do amor”. Esta alegria, que o próprio papa tanto enfatizou desde sua primeira exortação apostólica “Evangelii Gaudium” (A Alegria do Evangelho), permanece como um convite a todos para construir um mundo mais fraterno, justo e compassivo.
A morte do Papa Francisco marca o fim de uma era, mas seu espírito de renovação e seu chamado à construção de pontes em vez de muros continuarão a ecoar na Igreja e no mundo por muito tempo. Descanse em paz, Papa Francisco.
REFERÊNCIAS: CNN BRASIL, O GLOBO, BBC NEWS, UOL E G1