A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) carrega em sua história um legado que vai muito além das cinco estrelas douradas em seu escudo. Desde 1989, a entidade máxima do futebol brasileiro acumula uma sucessão impressionante de escândalos de corrupção que, mais que manchas isoladas, formam um padrão estrutural que ajuda a explicar a derrocada do futebol pentacampeão mundial.
A trajetória da CBF nas últimas três décadas revela uma estatística alarmante: dos últimos sete mandatos presidenciais, apenas um não terminou com afastamento ou prisão. O que deveria ser exceção tornou-se regra, transformando a entidade em um símbolo de má gestão e práticas ilícitas que minaram as bases do futebol nacional.
Uma história de poder e corrupção na CBF
A era moderna da CBF começa com Ricardo Teixeira, que presidiu a entidade por impressionantes 23 anos (1989-2012). Sob seu comando, o Brasil conquistou duas Copas do Mundo (1994 e 2002), mas seu legado ficou marcado por escândalos. Em 2019, Teixeira foi banido pela FIFA após investigações revelarem que recebeu quase 8 milhões de dólares em propinas por contratos de competições. Durante sua gestão, a CBF estabeleceu um modelo de governança que misturava sucesso esportivo com práticas obscuras nos bastidores.
Com a saída de Teixeira, José Maria Marin (2012-2015) assumiu o comando, mas seu mandato foi interrompido de forma dramática. Preso na Suíça em 2015 durante a operação FIFA Gate, Marin foi extraditado e condenado nos Estados Unidos por corrupção, fraude bancária e lavagem de dinheiro. A imagem da CBF sofreu um golpe devastador quando seu presidente foi algemado em um hotel de luxo, expondo ao mundo a podridão que se escondia por trás do futebol brasileiro.
Marco Polo Del Nero (2015-2017) foi o próximo na linha sucessória e também o próximo a cair. Indiciado pelos EUA por corrupção, Del Nero evitou a extradição permanecendo no Brasil, mas não escapou do banimento pela FIFA. Durante sua gestão, a CBF continuou mergulhada em práticas questionáveis, enquanto o futebol brasileiro perdia competitividade internacional.
Após um breve período sob comando interino do Coronel Nunes (2017-2019), único a completar seu mandato sem afastamento, a CBF passou a ser dirigida por Rogério Caboclo (2019-2021). Diferente de seus antecessores, Caboclo não caiu por corrupção financeira, mas por denúncias de assédio moral e sexual contra funcionárias da entidade. O padrão de comportamento inadequado se mantinha, apenas mudando de forma.
O caso Ednaldo Rodrigues: a crise mais recente
O episódio mais recente dessa triste saga envolve Ednaldo Rodrigues. Em dezembro de 2023, Rodrigues foi afastado por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que considerou ilegal o acordo firmado entre o Ministério Público e a CBF que o levou ao poder. A situação se agravou em maio de 2025, quando surgiram alegações de falsificação da assinatura do vice-presidente Coronel Nunes em um documento que mantinha Rodrigues na presidência.
A decisão judicial nomeou Fernando Sarney como interventor, determinando a convocação de novas eleições “o mais rápido possível”. Este episódio gerou uma grave crise institucional, com ameaças da FIFA de suspender a Seleção Brasileira de competições internacionais, expondo mais uma vez como a política interna da CBF afeta diretamente o desempenho esportivo do país.
A derrocada do futebol brasileiro
Não é coincidência que o período de maior instabilidade administrativa da CBF coincida com a queda de rendimento da Seleção Brasileira e dos clubes brasileiros no cenário internacional. Desde o pentacampeonato em 2002, o Brasil não apenas deixou de conquistar o título mundial, como viu seu futebol perder protagonismo global.
A corrupção sistêmica na CBF afeta diretamente o desenvolvimento do futebol brasileiro em múltiplas dimensões:
1. Desvio de recursos que deveriam ser investidos em infraestrutura, formação de atletas e desenvolvimento técnico;
2. Perda de credibilidade internacional, dificultando parcerias e intercâmbios que poderiam elevar o nível técnico;
3. Instabilidade administrativa que impede planejamento de longo prazo;
4. Cultura organizacional tóxica que prioriza interesses pessoais em detrimento do esporte;
5. Interferência política nas decisões técnicas, incluindo convocações e escolha de treinadores.
Além dos escândalos presidenciais, a CBF também esteve envolvida em outros casos emblemáticos, como a “Máfia do Apito” em 2005, quando árbitros foram flagrados manipulando resultados de partidas do Campeonato Brasileiro. Este episódio abalou a credibilidade da competição nacional e levantou sérias dúvidas sobre a integridade do futebol brasileiro.
As federações estaduais: o coração do problema
Um aspecto fundamental para entender a persistência da corrupção na CBF é o sistema de eleição presidencial. O presidente é escolhido pelos votos das federações estaduais, muitas dirigidas há décadas pelas mesmas figuras. Esse modelo cria um ciclo vicioso onde os dirigentes estaduais apoiam candidatos à presidência da CBF em troca de benefícios e recursos, perpetuando um sistema que resiste a qualquer tentativa de reforma.
Jornalistas independentes que tentaram denunciar essas práticas, como Juca Kfouri, foram processados reiteradamente. A imprensa corporativa, por sua vez, historicamente blindou os caciques da CBF, exceto quando os escândalos vazaram para a justiça internacional, tornando impossível ignorá-los.
É possível recuperar o futebol brasileiro?
A pergunta que dá título a esta matéria – “36 anos de escândalo: a CBF é a grande responsável pela derrocada do futebol brasileiro?” – tem uma resposta complexa, mas os fatos apontam para uma correlação inegável entre a corrupção institucionalizada na entidade e o declínio técnico do futebol pentacampeão.
Enquanto a CBF continuar operando como um feudo político, onde interesses pessoais se sobrepõem ao desenvolvimento do esporte, será difícil reverter a tendência de queda. A recuperação do futebol brasileiro passa necessariamente por uma reforma profunda na governança da entidade, com transparência, prestação de contas e profissionalização da gestão.
O torcedor brasileiro, que já se acostumou a ver presidentes da CBF algemados ou afastados, merece uma entidade à altura da grandeza histórica do futebol nacional. Até lá, continuaremos assistindo a uma sucessão de escândalos que, mais que episódios isolados, revelam um problema estrutural que corrói as bases do esporte mais popular do país.
Fontes consultadas:
• CNN Brasil (2025): “CBF tem cinco presidentes presos ou afastados nos últimos sete mandatos”
• 082 Notícias (2025): “CBF: uma história de corrupção estrutural que o Brasil finge não ver”
• Araguaia FM (2025): “A sucessão de crises na CBF: desde 1989, apenas um presidente completou o mandato”
• BBC Brasil (2005): Informações sobre transparência na CBF