18.5 C
Maricá
    quinta-feira, junho 12, 2025

    Sebastião Salgado: o legado imortal do fotógrafo que retratou a alma humana e ressuscitou florestas

    Data:

    O mundo da fotografia e do ambientalismo perdeu um de seus maiores expoentes na última sexta-feira, 23 de maio de 2025. Sebastião Salgado, o renomado fotógrafo brasileiro, faleceu aos 81 anos em Paris, cidade que adotou como lar por décadas, deixando um vazio imensurável, mas também um legado que transcende suas imagens icônicas. Nascido em Aimorés, Minas Gerais, em 8 de fevereiro de 1944, Sebastião Salgado construiu uma trajetória singular, marcada por um olhar profundo sobre a condição humana e um compromisso inabalável com a dignidade e a preservação do planeta. Sua obra, inteiramente em preto e branco, não apenas documentou as dores e as belezas do mundo, mas também se tornou um poderoso instrumento de conscientização e transformação social.

    Inicialmente trilhando um caminho acadêmico na Economia, com graduação pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestrado na USP e doutorado na Universidade de Paris, a vida de Sebastião Salgado tomaria um rumo inesperado. Foi durante suas viagens a trabalho pela África, enquanto atuava na Organização Internacional do Café em Londres no início dos anos 1970, que a fotografia entrou em sua vida, inicialmente como um hobby, utilizando a câmera Leica de sua esposa, Lélia Wanick Salgado. A paixão foi avassaladora. Em 1973, ele abandonou a carreira de economista para se dedicar integralmente ao fotojornalismo, retornando a Paris e iniciando uma jornada que o levaria a mais de 120 países, registrando momentos cruciais da história humana e da natureza.

    Os primeiros anos como fotógrafo profissional viram Sebastião Salgado colaborar com agências prestigiadas como Sygma, Gamma e, posteriormente, a lendária Magnum Photos, fundada por nomes como Henri Cartier-Bresson. Seu talento logo se destacou. Um momento decisivo ocorreu em 1981, quando, trabalhando para o The New York Times, foi o único fotógrafo a registrar o atentado contra o presidente americano Ronald Reagan. As imagens rodaram o mundo e o reconhecimento internacional abriu portas para seus projetos autorais de longo prazo, que se tornariam sua marca registrada.

    Sebastiao Salgado esposa reflorestamento

    O primeiro grande projeto autoral de Sebastião Salgado, “Outras Américas” (1986), mergulhou na vida dos camponeses e indígenas da América Latina, revelando a força e a resiliência de povos muitas vezes esquecidos. No mesmo ano, em colaboração com a organização Médicos sem Fronteiras, ele documentou a devastadora seca na região do Sahel, na África, resultando no impactante “Sahel: O Homem em Agonia”. Esses trabalhos iniciais já demonstravam a profundidade de seu olhar e seu compromisso em dar voz aos marginalizados.

    Entre 1986 e 1992, Sebastião Salgado dedicou-se a um de seus projetos mais ambiciosos: “Trabalhadores”. Viajando pelo mundo, ele registrou a dignidade e a dureza do trabalho manual em diversas culturas, numa época em que a globalização e a tecnologia começavam a transformar radicalmente as relações de trabalho. As imagens de mineiros em Serra Pelada, no Brasil, tornaram-se emblemáticas dessa série, mostrando a escala épica e as condições desumanas da busca pelo ouro. A publicação de “Trabalhadores” consolidou Sebastião Salgado como um mestre da fotografia documental.

    Na década de 1990, o foco de Sebastião Salgado voltou-se para o drama humano das migrações e dos refugiados. O projeto “Êxodos” (publicado em 2000) levou-o a acompanhar o deslocamento de milhões de pessoas fugindo de guerras, fome e pobreza em diferentes continentes. Suas fotografias, carregadas de empatia, expuseram a escala global dessa crise humanitária. Na introdução do livro, Sebastião Salgado escreveu palavras que ecoam a essência de sua visão: “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas…”

    Após testemunhar tanta dor e destruição ao redor do mundo, especialmente o genocídio em Ruanda, Sebastião Salgado entrou em um período de profunda reflexão e desilusão com a humanidade. Foi um retorno às suas origens, à fazenda da família em Aimorés, que o impulsionou para um novo caminho. A terra, antes rica em Mata Atlântica, estava devastada pela exploração. Diante desse cenário desolador, ele e sua esposa, Lélia Wanick Salgado, decidiram agir.

    Nascia assim, em 1998, o Instituto Terra, uma organização não governamental dedicada à recuperação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. A antiga Fazenda Bulcão, com seus mais de 600 hectares degradados, tornou-se o berço de um ambicioso projeto de reflorestamento da Mata Atlântica. Com o apoio fundamental de parceiros, incluindo a Vale, Sebastião Salgado e Lélia mobilizaram esforços para plantar milhões de mudas de espécies nativas, muitas produzidas nos viveiros do próprio instituto. O resultado, ao longo de mais de duas décadas, é um testemunho inspirador do poder da restauração ecológica: a paisagem árida deu lugar a uma floresta viçosa, com o retorno de nascentes e de centenas de espécies da fauna e flora, incluindo algumas ameaçadas de extinção. O Instituto Terra tornou-se um centro de referência em educação ambiental e recuperação de áreas degradadas, expandindo sua atuação e conhecimento, inclusive no projeto de recuperação da bacia do Rio Doce após o desastre de Mariana. Este projeto ambiental é, sem dúvida, uma das maiores obras de Sebastião Salgado, um legado tão poderoso quanto suas fotografias.

    WhatsApp Image 2025 05 25 at 12.06.19

    Essa imersão na natureza e o sucesso do Instituto Terra inspiraram os projetos fotográficos seguintes de Sebastião Salgado. “Gênesis” (iniciado em 2004 e publicado em 2013) foi uma ode ao planeta intocado, uma busca por paisagens, animais e povos que vivem em harmonia com o meio ambiente, longe das marcas da sociedade moderna. Foi uma celebração da beleza e da fragilidade da Terra, um contraponto às duras realidades que ele havia documentado anteriormente. Mais recentemente, com “Amazônia” (2021), Sebastião Salgado voltou seu olhar para a maior floresta tropical do mundo, registrando sua imensidão, a vida de comunidades indígenas e alertando para os riscos do desmatamento e das mudanças climáticas.

    Ao longo de sua carreira de mais de cinco décadas, Sebastião Salgado acumulou inúmeros prêmios e reconhecimentos internacionais, como o Prêmio Príncipe de Astúrias das Artes, o W. Eugene Smith Grant in Humanistic Photography e o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão. Foi membro da Academia de Belas-Artes da França, Embaixador da Boa Vontade da UNICEF e uma voz ativa em causas humanitárias e ambientais. Seu trabalho foi tema do aclamado documentário “O Sal da Terra” (2014), dirigido por seu filho, Juliano Ribeiro Salgado, e pelo cineasta Wim Wenders, que levou sua história e suas imagens a um público ainda maior.

    A morte de Sebastião Salgado, em decorrência de complicações de uma malária contraída anos antes na Indonésia, encerra a jornada terrena de um homem que viveu intensamente, com a câmera como extensão de seus olhos e de sua alma. Mas seu legado permanece. Suas fotografias continuarão a nos confrontar, a nos emocionar e a nos inspirar a olhar para o outro e para o planeta com mais empatia e responsabilidade. Sebastião Salgado não foi apenas um fotógrafo; foi um contador de histórias, um humanista, um defensor da Terra. Sua obra é um patrimônio da humanidade, um chamado à reflexão e à ação, tão relevante hoje quanto no momento em que cada imagem foi capturada.

    COMPARTILHAR POSTAGEM:

    Alexandre R. Ducoff
    Alexandre R. Ducoffhttps://conexaodopovo.com/
    Jornalista, Fotógrafo, Cinegrafista, Editor, Ativista e Fundador do Conexão do Povo! Eu, Alexandre R. Ducoff, tenho como base a defesa do interesse da população, facilitando os seus pedidos ao poder executivo e legislativo. O diálogo é tudo!

    COMPARTILHAR POSTAGEM:

    Inscreva-se agora

    Publicidade

    spot_imgspot_img


    POPULARES

    Recomendadas

    Praia de Itaúna, em Saquarema, é considerada a segunda melhor praia urbana no ranking das “Melhores Praias Segundo a Ciência”

    Praia de Itaúna representando! O Centro Internacional de Formação...

    Liberdade de Expressão em xeque: os casos de MC Poze e Léo Lins

    Nos últimos dias, o cenário artístico brasileiro foi palco...

    Maricá participa da ExpoRio Turismo 2025 com artesanato local e atrações culturais

    A Prefeitura de Maricá, por meio da Secretaria de...
    Traduzir »